FESTIVAL 5 MINUTOS

"CARRO DE BOI" FOI O GRANDE  VENCEDOR DO FESTIVAL 5 MINUTOS

dezembro de 2007


O SIGNO NO FILME ETNOGRÁFICO: CARRO DE BOI, de Nicolas Hallet


Ganhador do prêmio Walter da Silveira do XI Festival Nacional de Vídeo Imagem em 5 Minutos
Ao longe, no meio do sertão, um carro de boi passeia lentamente; suas madeiras rangem quase como música. O plano inicial de Carro de Boi é um cristal que traz consigo o filme inteiro: o signo entra, atravessa o quadro lentamente, até sair por completo. Se ele abandona o plano inicial, é para poder retornar durante todo o filme até quando, no último plano, desaparece dando lugar a casa da família.É assim que no decorrer do filme ele retorna enquanto trabalho - no labor da família -, enquanto brinquedo - nas mãos das crianças-, enquanto educação – na relação adulto/criança. O corte seco marca a relação entre estas facetas: os adultos que dilatam o ferro para fazer a roda do carro e a criança que afina um palito com um facão para fazer o seu carrinho de boi com restos de uma sandália.
Se o carro de boi enquanto signo atravessa todo o filme (que já estava insinuado no plano inicial quando ele atravessa todo o plano) é, também, para criar um cruzamento entre acontecimentos fazendo com que a brincadeira infantil venha a ser trabalho, com que o trabalho venha ser educação, com que a

 educação venha a ser brincadeira.
E não é preciso que nenhum personagem diga isso. O filme - talhado unicamente por imagens e sons - realiza uma bela descrição etnográfica do carro de boi no sertão nordestino. Carro de Boi consegue realizar um encontro entre a arte e a etnografia. Um filme simples carregado de sensibilidade.
Marcelo Matos de Oliveira


Cyntia Nogueira - Blog do Dez

17/12/2007

A premiação de Carro de boi, de Nicolas Hallet, primeiro lugar no festival, foi emocionante. Trata-se de um registro sensível do cotidiano de uma família que mora na região rural do sertão de Alagoas. Não sabemos mais que isso - e não precisamos. Se a câmera assume uma postura característica do documentário de observação, evitando qualquer intervenção, a montagem inscreve as imagens captad

as numa tessitura ficcional. A partir de uma fotografia primorosa - o primeiro plano, em que vemos o carro de boi passar, remete à clássica abertura de "O Cangaceiro" (1953), de Lima Barreto -, da economia de sons e da simplicidade de pequenos atos que se desenrolam à nossa frente surge uma insuspeita poesia. Não há diálogos, o sentido poético é construído através das imagens. Não é difícil entender porque esse vídeo, de enorme simplicidade, tenha agradado tanto ao júri. A principal tradição cinematográfica brasileira, aquela do cinema moderno, consolidado a partir do cinema novo, teve como uma de suas características mais marcantes esse namoro entre o documentário e a ficção. Naquela época, havia uma carência enorme de imagens sobre regiões consideradas distantes como o sertão e uma crença política na capacidade do "povo" de se revoltar contra sua situação de pobreza. O vídeo dialoga com essa tradição, mas numa chave diferente, talvez a única possível no contexto atual em que, ao contrário, dispomos até mesmo de um excesso de imagens sobre o tema e no qual, se pouca coisa se alterou no que se refere à precariedade da vida em tais regiões, as possibilidades de uma mudança via revolução do "povo" se mostraram limitadas por diversas razões. E da mesma forma, as potencialidades atribuídas, naqueles tempos, aos realizadores audiovisuais enquanto agentes desse processo de transformação da realidade, que se viam quase como missionários, devem ser repensadas. Em "Carro de boi", a precariedade da vida desta família de Entremontes aparece, mas a partir de um olhar não-idealizado que foge tanto do cliché do filme de denúncia sobre a pobreza do sertão quanto do encantamento quase exótico que muitos vídeos focados nesses espaços demonstram por seus personagens. E também não está no plano longo de um tempo supostamente real que captaria o ritmo de vida dessa família. Mas justamente no poder de sugestão das imagens: o plano do pai cortando a palma habilmente no batente da casa é seguido por outro praticamente igual, mas agora com garoto tentando executar, tateante, a mesma ação com uma pequena faca. A brincadeira de carro de boi das crianças sugere a importância deste no imaginário, no sustento e manutenção de um modo de vida. Há espaço para a poesia. E a idéia de imutabilidade é apenas sugerida. O sentido é aberto. Impressionante o quanto se pode dizer sobre um vídeo de 5 minutos - e mais ainda o quanto um vídeo pode dizer em 5 minutos. E, claramente, é fruto de uma experiência acumulada e de um olhar de grande sensibilidade. Belíssima premiação. O júri acertou em cheio. Cyntia é jornalista e mestre em cinema pela Universidade Federal Fluminense